22 abril 2009
"Uma tarde sem jeito nenhum" - VII
Andou apenas uma centena de metros e parou sem saber realmente qual o motivo porque parara. À partida, não se tinha esquecido de nada, não encontrou ninguém conhecido, não sentiu que o devesse fazer, nem tinha chegado a nenhum local minimamente convidativo para exercer a arte da reflexão, apenas reparou que tinha parado, como se as suas pernas já não lhe obedecessem.
Esse tão aparentemente banal acontecimento deixou-o curiosamente inquieto e durante alguns segundos, que naquele momento lhe pareceram uma eternidade, tentou procurar nos rostos das pessoas que passavam e que dele se desviavam, alguma pista que justificasse aquela situação.
Acho que estou a ficar doido, pensou, mas isso já não é grande novidade, voltou a pensar.
Subitamente, de uma janela qualquer, soltou-se um grito ou um riso ou um lamento, ele não percebeu bem o que era, porque o som que ouvira tinha um pouco de grito, de riso e de lamento também. Olhou para cima, para o prédio que lhe estava mais perto e todas as janelas lhe pareceram iguais, todas se calaram e ele por todas elas se sentiu observado.
De pés ainda fincados no chão, abriu rapidamente a mochila e tirou de lá a máquina fotográfica. Não se podia deixar intimidar por umas quaisquer janelas, de um prédio que sempre ali esteve, mas que ele nunca tinha visto, e fotografou cada uma delas, como se de pessoas se tratasse, individualmente, procurando revelar-lhes a alma.
Suavemente voltou a colocar a máquina fotográfica dentro da mochila, porque acreditava que dentro dela, algures dentro daquele incrível objecto, estava um tesouro.
Tinha passado grande parte da sua vida à procura de tesouros, tal como uma criança que à beira-mar apanha pequenas pedras e conchinhas, fascinada pela sensação de descoberta. Coleccionava pedaços de tempo, nos papéis, nas fotografias, em alguns objectos que o acompanhavam quando viajava ou na pacatez da sua casa, como se ele próprio se disseminasse por cada um deles. Estava disso convencido e possivelmente teria razões para tal.
As pernas avançaram-lhe, de novo sem aviso algum, mas ele nem estranhou, nem tão pouco se apercebeu e caminhou talvez durante mais de trinta minutos. E durante todo esse tempo tentou mentalmente reproduzir aquele som que ouvira, que nem era um grito, um riso ou um lamento ou que era tudo isso junto. Que disparate perder tanto tempo com isto, quis convencer-se, que tenho eu que ver com..., hesitou. Aquele acontecimento tinha-o marcado mais do que ele queria, ou talvez não, ele queria que aquele ou outro qualquer acontecimento o ajudasse a traçar um novo rumo, não lhe interessava que nas fotografias apenas aparecessem conchas ou que na mochila nada mais estivesse do que meia dúzia de pedras, o verdadeiro tesouro é aquele que criamos dentro de nós, pois não há nada mais verdadeiro do que aquilo em que acreditamos.
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