15 abril 2009

"Mais uma tarde sem jeito nenhum" - IV



A pressão familiar para que ele se casasse e tivesse filhos, muitos filhos, sempre foi uma constante, pelo menos até ao infeliz desfecho da não planeada, mas festejada gravidez da Rita, um aborto espontâneo às oito semanas, tempo suficiente para se fazerem imensos planos para o neto que aí vinha. Sim, era um rapaz, tinha de ser um rapaz, porque a família tem um nome e morrendo o nome, morre a família. Pelo menos era nisso que todos acreditavam e não há razão mais forte e cega do que a crença.

Uns tempos mais tarde é que ele percebeu que este episódio foi determinante para que a Rita saísse de casa, ou pelo menos isso era mais fácil de aceitar do que admitir a sua incapacidade para construir uma relação a dois. Que lhe faltaria? Entrega? Dedicação? Amor?!? Talvez.
“Talvez”, era a palavra com que mais se deparara ao longo dos últimos anos. É uma palavra ambígua, digna de encruzilhadas, plena de possibilidades, mas também cheia de angústia e parca de tranquilidade.
Talvez ainda não lhe tivesse sido dada a possibilidade, ou a fortuna de se apaixonar verdadeiramente? Não, isso não lhe parecia possível. No entanto, os “quarenta” estavam a poucos meses de distância e embora isso não o assustasse, porque considerava a passagem do tempo como apenas mais uma inevitabilidade, trazia-o um pouco perplexo, desconfortável.
Também ele se aproximava e se afastava dele próprio, amando e tantas vezes amaldiçoando a sua faceta artística...

Sem comentários: