09 abril 2009
“Mais uma tarde sem jeito nenhum” - I
“Mais uma tarde sem jeito nenhum”, pensou ele e tinha razão para pensar assim. As horas sucediam-se pateticamente, sem sequer darem pela sua existência. Aliás, essa é uma das características das horas, a de ignorarem em absoluto o que à volta delas se passa. O tempo nunca é nosso, apenas nos faz o favor de deixar que a ele ilusoriamente nos colemos, já tinha ele há muito concluído.
Ensaiou algumas palavras num papel qualquer, porque essa história de que para escrever um bom texto é necessário ter um sítio certo, uma cadeira confortável ou um papel especial, não o convencia. Apenas lhe saíam as palavras do costume: Hoje, Tempo, Noite, Pensamento. Tudo era tão vago, sem jeito nenhum, como a tarde que passava.
Escreveu dez linhas e pensou, Agora, tem de surgir um elemento inesperado na narrativa, algo como “O telefone tocou” ou “Bateram à porta” ou ainda “Sentiu uma dor”. Não, pensando bem, não era isso que ele desejava para o seu texto. Pousou o lápis e abandonou a folha, como quem desiste de fazer força. Naquele momento, iniciou-se o tempo da espera: o texto esperava o autor; o lápis esperava a mão… e a ideia, esperava a palavra certa.
Um copo de água.
A cozinha era, inevitavelmente, o lugar onde ele poderia saciar aquela repentina sede. Se eu fosse como o Sebastião, pensou, o caminho seria mais curto, bastava ir à casa de banho e miar para a torneira do bidé. Assim, tenho que me comportar como gente, dividir-me entre o sofá e o tapete, quando o que me apetecia era ser gato e procurar moscas e borboletas, afiando as unhas onde bem me apetecesse.
(cont...)
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