Eram duas vezes um rapaz. Era uma vez uma rapariga.
Já só tens três minutos, dizia-lhe o relógio, e ele apressava o apressado passo e quem o olhava não percebia para onde ia, aliás, nunca ninguém percebe para onde alguém vai e também já ninguém se importa.
O Cais do Sodré está mesmo ali e o comboio, inevitavelmente, a esta hora, está cheio. Se ela não se atrasou, está, como sempre, na última carruagem, porque acredita piamente que os acidentes vitimam principalmente quem vai na carruagem da frente, o que, se pensarmos bem, tem a sua lógica.
Ele chegou, silenciosamente ofegante, e o seu primeiro olhar, depois de se desviar da porta que o queria tragar, foi para ela, ou melhor, para o sítio onde ela costumava estar. E estava, mas não sozinha. Só que ele não sabia, ela não sabia e ele não sabia. Ele não sabia que outro ele estava com ela, como ele estava. Amar é só ter olhos para quem se ama e não também para quem ama quem se ama, aí é preferível ter torpedos, por isso ninguém sabia de ninguém. Ele não sabia que o outro a amava, o outro não sabia que ele a amava e ela não sabia que ambos a amavam. Parece complicado, mas não é.
Tanto tempo esperou ele, quer um quer outro, até se resolver a tomar qualquer atitude reveladora do seu amor, que ela, um dia, desapareceu.
Voltaram a vê-la, quando se lhes terminou a frustração deles e a gravidez dela.
*quase-contos, 1999
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