30 janeiro 2009

Encontro

Summer 2004



Entre Cortumes e Alviste não existia riso mais sonoro e ao mesmo tempo mais contagiante que o de Manuela. Entre Alviste e Pontadas não havia choro mais angustiante e piedoso que o de Raúl. Quando um dia uma prima comum se casou, convidou-os a ambos para a boda e aí se conheceram. Ela riu-se e ele fez beicinho. Durante a cerimónia de casamento, Manuela, que achava graça a tudo o que o padre dizia, só com as contínuas cotoveladas da sua mãe, tia de sua prima, se controlava. Quando os noivos disseram o Sim, ela deu uma gargalhada e todos os convidados serviram de coro ao seu riso solo. Todos, menos Raúl que, talvez espantado com tudo aquilo e apesar de ter fungado o tempo todo, naquele momento se calou.
Quando a cerimónia acabou, Manuela foi a primeira a sair da igreja e da sua mala de mão tirou um saco de arroz, que parecia maior do que a própria mala. A todo o custo, queria ser a primeira a desejar riqueza aos noivos e tudo o mais que se pode desejar, quando a alguém se atira punhados de arroz. Claro que o entusiasmo fez com que, mesmo antes de eles cá estarem fora, ela começasse a despejar o saco e, tendo a certeza que sua prima e o seu novo primo eram os próximos, encheu generosamente a sua grande mão e… tomem lá primos! Mas era Raúl quem vinha a sair, para fugir à confusão.
Até hoje ninguém consegue perceber como conseguiu ela encher-lhe a boca de tanto arroz. Se pela sua acidental pontaria, se pela boca aberta dele, ao soluçar.
Manuela, quando deu pelo sucedido, riu-se mais ainda e Raúl, de surpresa, calou-se e nem cuspiu o arroz, o que a fez dobrar o indobrável riso, provocando uma saída mais apressada da igreja de todos os convidados, que querendo descobrir o que se passava, empurram Raúl da porta da igreja e que, só nesse momento, se livrou do malfadado arroz.
Quase ninguém percebeu o que se tinha passado. Manuela, embora quisesse, não o conseguiu explicar, porque ria cada vez mais ao lembrar-se do ar de Raúl, que parecia um daqueles ratos que ela uma vez viu numa loja da cidade e que ficam com as bochechas cheias de comida, a olhar para quem olha para eles.
O casamento e a boda, para conveniência dos convidados que eram metade de Cortumes e metade de Pontadas e para além disso viriam a pé a maior parte do caminho, teve lugar em Alviste. Durou um dia só, porque não havia como instalar os convidados e as famílias também não eram suficientemente abastadas para que assim não fosse.
O almoço começou quando já todos tinham vontade de jantar. O Estio governava o céu, o que lhes permitiu ficar até mais tarde e poderem chegar sãos e salvos a casa, livres dos ataques dos lobos que por aqueles montes ainda existiam. Raúl, apesar do que se possa pensar, era destemido e não tinha medo de lobos. Quando já a maior parte dos convidados tinha saído, Raúl ofereceu-se para levar Manuela a casa e ela aceitou, mas não sem antes, com os seus grandes olhos brilhantes, ter pedido consentimento aos mais velhos que ali estavam presentes, levantando-se e saindo somente quando o Raúl disse É tarde.
Estava amena a noite e presente a Lua que, embora partida, iluminava bem todos os mais carreiros, que caminhos. Manuela, que tudo queria ver na terra e no céu, tropeçou numa pedra e caiu, torcendo um pé. A partir daí, só ajudada pelo Raúl conseguiu andar e meia de caminho, que faltava ainda, chegou para que, nos braços dele, ela sentisse ternura e protecção. Então, sem dizer uma palavra, deu-lhe um beijo e ele gostou tanto, que sorriu. Nem a Lua brilhava tanto quanto o seu sorriso. Ao ver isso, Manuela comoveu-se e chorou, chorou o sorriso dele.
Agora entre Cortumes e Pontadas não existe maior felicidade que a de ambos.


Julho, 1994

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