05 fevereiro 2009
O Corvo e o Sol
Eram três irmãs, eram três irmãos. Nunca se encontraram porque o destino, caprichoso, embora sabendo o quanto poderiam ser felizes juntos, lhes tornou os caminhos tortos em direitos e os direitos em tortos e não os apresentou entre si. Elas viviam para lá de Barcelos, que é tantos sítios, e eles na Ilha do Corvo, que só pode ser ali.
José e Maria eram os nomes dos progenitores de todos, o que não é original mas eles gostavam e é isso que interessa. As Marias foram virgens para o casamento e os Josés não, mas elas não se importaram e eles não se questionaram. As filhas de José e Maria nasceram nos mesmos dias que os filhos de Maria e José e eram louras como o Sol, exceptuando a mais nova que de tão morena, era julgada, por quem costuma julgar estas coisas, filha de outro, embora Maria nunca tivesse conhecido outro homem, em toda a sua vida de fertilidade. Os filhos do Corvo, como era conhecido o José na sua ilha, porque a ilha é de quem lá consegue permanecer, eram morenos como o pai, exceptuando o mais novo que, de tão alva a pele e amarelo o cabelo à nascença, juravam que tal criança nunca vingaria.
Todos as tardes as filhas de José e Maria e os filhos de Maria e José se sentavam a olhar o mar, chovesse ou fizesse sol. Eles virados para lá de Barcelos, porque era dali que surgia o sol e elas viradas para a Ilha do Corvo, porque era para ali que o Sol ia. Nenhum deles sabia porque o faziam, mas gostavam de o fazer e, uma vez mais, é só isso que interessa.
Um dia, a filha mais nova de Maria para lá de Barcelos adoeceu e o filho mais novo de José também. Ela com uma pneumonia e ele de tristeza, maleitas que só desapareceram quando Nossa Senhora dos Aflitos atendeu os pedidos das Marias, suas devotas, e os curou. A ela proibiram-lhe o "chegar perto do mar", de Inverno, de Primavera e de Outono, não fosse ter uma recaída, porque toda a gente sabe como são as recaídas. Com tal proibição, voltou a adoecer mas desta vez de tristeza. A ele nada lhe proibiram, porque o que é que se pode proibir para evitar uma recaída no mal de tristeza? Que se comportasse de maneira diferente dos irmãos e dos da sua geração já era aceite por todos, mas que insistisse em encontrar, caminhando, uma saída naquela ilha, era difícil de compreender.
Para lá de Barcelos, a filha morena de Maria e José também procurava uma saída, isolava-se bastante e, quando podia, fugia sempre em direcção ao mar e confundia-se com as gaivotas junto ao rebentar das ondas. Era a sua brincadeira preferida, correr para a água, só parando quando esta lhe encontrava os pés. Julgavam que o fazia por ser criança, enquanto o foi, mas depois habituaram-se simplesmente ao seu comportamento.
O tempo passou, como só ele sabe passar e chegou o dia em que os filhos mais novos de Maria e José e de José e Maria completaram trinta anos. Ninguém sabe porquê mas, naquele ano, a ambos fizeram grandes festas. Todos se divertiram, que é para isso que servem as festas. Todos, menos o filho alvo do Corvo que não gostava de festas, por nem sequer nas suas se sentir convidado. Também por essa razão, a meio da festa, resolveu ir até à Rocha dos Mouros (já poucos sabem porque tem aquela rocha esse nome) e ali descansou da caminhada e do resto. Sempre são mais de cinco quilómetros e a vida também cansa... Depois, num acesso de loucura, disseram os mais velhos, atirou-se ao mar e nunca mais ninguém o viu.
A filha morena de Maria e José, que sempre pedia que o seu aniversário, ou fosse o que fosse, se festejasse à beira-mar, para lá de Barcelos, naquele dia deixou que o mar lhe agarrasse primeiro os pés e o resto do corpo logo a seguir. As ondas depois de brincarem com ela não a devolveram, nem ela quis.
Deles nada mais se sabe, excepto que em duas se partiu a Rocha dos Mouros e que raramente se vêem ondas naquela pequena enseada, onde certos pequenos pés brincavam.
2000
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